quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Crítica da razão mal escrita

O Ministério da Cultura deveria também advertir:
Texto mal escrito é prejudicial à saúde!

E, em caso de ingestão acidental de alguma baboseira impressa, consulte, imediatamente, a razão mais próxima de você.

No tempo de Aristóteles - 384 a.C – o que prevalecia era a oralidade. Destacavam-se aqueles homens que possuíam grande talento para a retórica (discurso). O discurso tinha que ser bem elaborado, com idéias perfeitamente ordenadas, dentro de um raciocínio lógico. Não bastava “falar bonito” – aliás isso era condenado à sua época – esses eram os chamados sofistas que dominavam a arte de “enrolar” seu interlocutor, ou o público. As obras doutrinais de Aristóteles manifestam um grande rigor científico; exposição breve e expressão clara e ordenada. A grande e única preocupação do orador era a de ser entendido, principalmente, compreendido, pelo seu público. Poderia até ser contestado, mas ele, o orador, deveria estar fortemente preparado em idéias consistentes, para um possível debate. Segundo Aristóteles, os elementos primeiros do conhecimento, da ciência – conceitos e juízos – têm que ser, num caso e noutro, tirados da experiência. Isso significa mais ou menos que não se pode discorrer sobre um assunto que não se conhece. Assim, é preciso ter certeza dos fatos para poder sair contando por aí. Mas só isso também não basta. É, necessário, acima de tudo, saber repassar essa informação, de forma clara e concisa, respeitando as regras gramaticais mais elementares do idioma no qual se escreve. Isso também significa tomar muito cuidado com o uso de expressões e gírias locais, de palavras fora de contexto. Assim, igualmente ao tempo dos filósofos gregos, quando não bastava “falar bonito” – o discurso tinha que ter consistência - não tente “escrever bonito” que vai acabar ficando feio. Mais do que fazer feio, isso fará mal aos concidadãos da sociedade para quem se escreve. Nietzsche com isso afirmava, no seu tempo (1888) que na Alemanha “escrevia-se muito mal” e, talvez, por causa de certa ignorância do povo germânico também não contestava, e tudo ficava por isso mesmo. Isso, trazidos para os nossos dias é mais ou menos a mesma coisa. Por isso, a responsabilidade de quem escreve torna-se cada vez maior. Quando analisamos que aquilo que for escrito e publicado é o que vai ficar para o aprendizado de gerações futuras, que isso vai virar aprendizado, ensinamento, verdade, mentira, ou coisa parecida, certamente, aqueles escritores mais sérios devem sentir um frio na barriga e se preparar melhor antes de sair escrevendo qualquer coisa, dando sentenças, fazendo juízos de valor. Pior ainda se tudo isso for mal escrito, de forma confusa e obscura. Então não é porque seu pai é o dono do jornal ou que o dono do jornal seja seu amigo que você poderá achar-se no direito de escrever o que você quiser, da maneira que quiser e pior, sem o pleno domínio da boa escrita. Em linhas gerais, quando Nietzsche fala que “na Alemanha se trata o escrever mal como uma prerrogativa nacional”, ele está sendo irônico com muita gente de seu tempo, com muitos escritores “festejados” pela sociedade burguesa alemã, que eram pessoas medíocres que escreviam um monte de baboseiras, de pouca compreensão. Esses “falsos escrevedores”, de acordo com o pensamento nietzscheniano se sentiam bem à vontade para escrever o que queriam porque sabia que para escrever para aquele povo acostumado à “desinformação” e um tanto preguiçoso para pensar, não demandava muito talento. Para escrever para esse público contemporâneo de Nietzsche, o escritor não necessitava imprimir, em seu texto, nem beleza na linguagem, nem profundidade no assunto. Escrever melhor é, segundo Nietzsche, “pensar melhor, descobrir sempre algo mais digno de ser comunicado e poder, efetivamente, comunicá-lo; é tornar-se traduzível”. Quem, no nosso tempo, escreve pensando com essa cabeça? Quem de nós jornalistas, principalmente que trabalha com a escrita no dia-a-dia, fica pensando como ficaria seu texto se traduzido para o idioma tal? Que esperança minha! Já me contentaria se quem está escrevendo no dia-a-dia, jornalistas, publicitários, professores universitários, entre outros atrevidos neste universo, se preocupasse em ser “compreendido”. Quantas vezes, no meu trabalho, numa assessoria de imprensa, já presenciei colegas se perguntando ou perguntando entre si: “o que é que você ‘quis’ dizer com isso aqui que você escreveu neste parágrafo?” Sempre que isso acontece me vem uma pergunta que não quer calar: já pensou se o jornalista que escreve para o jornal - seja ele do bairro pertinho da casa do leitor, seja naqueles jornalões nacionais e ou mundiais, como por exemplo, Folha de São Paulo, The New York Times – jornais com tiragens de mais de um milhão de exemplares -, já pensou se o jornalista escritor tiver que explicar aquela frase ou aquele parágrafo para o leitor - um a um? Prefiro pensar que este tipo de “escritor” não está nos jornais, pelo menos não nos grandes jornais. Aí, perdão do trocadilho, quem não está no maior é menor.Quem escreve mal lê mal. Logo, por analogia, se estão escrevendo mal, estamos lendo mal, conseqüentemente também deveremos escrever mal. E o “escrever mal” já é atávico – virou herança maldita. Por isso, o pensador alemão do final do século dezenove, concluiu no seu artigo “Aprender a escrever bem” – que são os maus escritores os grandes responsáveis pela restrição do pensamento europeu que o levava a um “nacionalismo fechado”, segundo ele, a grande doença de seu século, inimigo dos homens de espíritos livres.

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