quarta-feira, 23 de julho de 2008

Jornalista - um escritor menor

Um especialista em nada, que escreve sobre tudo. Sempre que me pedem para escrever sobre “ser jornalista”, acho que não vou conseguir fazê-lo. Não depois de ter lido, Cláudio Abramo (1923-1987). Comecei no jornalismo exatamente três anos antes dele morrer. Foi muito triste porque quando o havia escolhido para ser meu “guru” secreto, ele morreu. Mas logo em seguida, seus familiares e amigos deram um jeito de perpetuar alguns de seus escritos.
Porque citei no começo deste artigo, meu colega Cláudio Abramo? Por que bem na hora em que pensei em começar este texto citando Fernando Pessoa, me lembrei de Abramo, de um artigo escrito por ele em Londres (como correspondente) e publicado na Folha de São Paulo em 12 de março de 1982. Não li um artigo à época, mas tive o prazer de ler este, e muitos outros, na coletânea, A Regra do Jogo, publicada um ano depois da sua morte pela Cia das Letras (1988).
No artigo - Criadores e Criaturas - assinado como “John Poison” – Abramo que era espirituoso e dono uma ironia fina – ele começa perguntando, “como um escritor constrói seus personagens”? Mais adiante ele confessa: “eis algo que sempre me fascinou nos romancistas”. Para ele o jornalista é incapaz de escrever uma linha que não tenha pelo menos uma ligação com a realidade. Nesse artigo Abramo, que cita Flaubert, Balzac, Dostoievski, Stendal, Melville – destes dois últimos confesso, nada conheço – afirmava sua admiração pelos escritores que conseguem criar tramas, enredos e personagens com abundância detalhes e riqueza circunstancial.
Como jornalista, concordo Fernando Pessoa quando ele dizia que “jornalista é um escritor menor”. Nem sei quantas vezes, assim como Abramo, eu tive inveja dos escritores que podem criar e matar seus personagens, porque são os donos da história. Ao jornalista isso não é permitido. Ele simplesmente é um contador de histórias, nem sempre boas.
Mas a inveja que sinto dos escritores não é exatamente porque são fantásticos com as palavras, driblam, brincam e fazem delas o que querem e o fazem bem. Não é exatamente por isso. É por isso também, mas talvez porque em muitos momentos fiquei tentada a dar uma “torcidinha” na realidade, sobretudo quando esta não soava tão interessante, sob meu ponto de vista claro, para o público leitor. Mas a vontade vinha e passava rapidamente. Era preciso e é preciso afinal ser simplesmente jornalista, que não é exatamente uma profissão, mas uma “ocupação” (novamente plagio meu colega Cláudio Abramo). Embora prefira a definição de outro colega falecido, Paulo Francis que dizia que “jornalista não é profissão, nem ocupação é carreira”. E para ficar um pouco diferente desses dois ídolos da minha carreira jornalística, diria que ser jornalista é não ser especialista em nada para poder escrever sobre tudo. Nossa, acho que agora peguei Nietzsche e misturei com Sartre e...
O jornalista é um cidadão como outro qualquer. Não deve fazer nada diferente que outro cidadão não faça. O jornalista, o médico, o professor, o advogado, nenhum destes tem uma ética própria. Isso é mito. Meu colega Cláudio Abramo, que inveja, ele escreveu novamente primeiro do que eu, que “a ética do jornalista é a ética do cidadão”. Por isso então o jornalista é um cidadão como outro qualquer, ele igualmente se forma de acordo com as idiossincrasias do próprio meio, e assim o seria se tivesse ele escolhido outra profissão, ou melhor, “carreira”. E como em toda profissão ou carreira, o jornalista tem limites e seus limites são os limites do cidadão. Por isso o discurso de que o jornalista deve ser imparcial é pura bobagem. Deve, repito como qualquer cidadão ter sim uma postura, posição, ideologia política. Seus artigos, ainda que escritos na terceira pessoa, dentro de um estilo próprio que a narrativa jornalística exige, podem sim conter opinião. Para isso, o jornalista deve ser perspicaz. Deve fazer isso de forma bem sutil porque muitas vezes nem o dono do jornal, nem o leitor está interessado na opinião de quem escreveu a matéria (o texto jornalístico).
Escrever um texto jornalístico para mim é o mesmo que “chover no molhado”, é contar, com clareza, objetividade, numa linguagem adequada, como as coisas aconteceram ou acontecem. Nada mais, além disso. Alguns cuidados porém, devem ser tomados pelo jornalista na hora de produzir seu texto: cuidar para não ser tendencioso, nem preconceituoso, evitar a chatice maniqueísta e não pensar que é o dono da verdade, nem tampouco poderoso porque será ele o primeiro a espalhar a notícia, ou a fofoca, dependendo do caso; ou a catástrofe, a tragédia humana. Claro que há diferentes narrativas. Existem aquelas matérias corriqueiras do dia-a-dia, quando os jornalistas descrevem o fato sem muito desdobramento, podendo também ir mais fundo na investigação; e há a reportagem mais narrativa. Esta depende mais do narrador do que propriamente dos fatos. Depende muito do poder de observação do narrador.Mesmo trabalhando numa assessoria de imprensa ainda me emociono e me empolgo com meu trabalho. Na verdade sou uma profissional privilegiada dentro daquela assessoria porque me deram uma função muito bacana – sou “repórter especial”. Faço matérias mais elaboradas, tenho mais tempo para pesquisar e, posso escrever com um pouco mais de liberdade para “criar”, se é que isso seja possível numa assessoria de imprensa. Porém, não resisto em confessar, já tive “melhores anos” na minha vida/carreira/correria de jornalista. Bem, isso é assunto para outro artigo.

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